Por: BBC News
A sucessão de tragédias que marcou o começo do ano no Brasil leva a comparações entre desastres que, embora diferentes, têm aspectos em comum – acusações de negligência contra quem administrava os espaços, demora ou inexistência de responsabilização de culpados, respostas insuficientes por parte do poder público e, na maioria dos casos, mortes que poderiam ter sido evitadas.
É o que ocorre em casos como o rompimento da barragem em Brumadinho, em janeiro, e a tragédia em Mariana, em 2015; e nos incêndios do Centro de Treinamento do Flamengo, em fevereiro, e incêndio no Museu Nacional, em 2018.
Nesses grandes desastres recentes, também se repete o fato de as empresas e instituições envolvidas classificarem a situação como meros acidentes, episódios que não poderiam ter sido previstos, tampouco evitados.
Contrariam, inclusive, as investigações da Polícia Federal, do Ministério Público e de outras instituições que apontam que, na maioria dos casos, houve sinais que foram ignorados e medidas de segurança que não foram tomadas, mas poderiam ter reduzido danos e os números de vítimas ou até mesmo evitado as tragédias.
A BBC News Brasil analisou cinco tragédias que ocorreram no Brasil nas últimas décadas:
Os cinco episódios também têm em comum o fato de que ninguém foi criminalmente punido pelos desastres. Mesmo outras formas de responsabilização, como sanções econômicas e multas ambientais, também foram tímidas, na visão dos especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
O que chama a atenção no Brasil , afirmam os especialistas, é que muitas vezes as tragédias não se refletem em mudanças significativas e as lições que poderiam ser aprendidas no combate a novos desastres são ignoradas.
Um exemplo citado é a falta de sirenes em Mariana, em 2015, que não fez com que a Vale resolvesse o problema a tempo de evitar tantas mortes em Brumadinho, quatro anos depois: sirenes foram instaladas, mas não funcionaram, e não havia um sistema de alerta reserva.
O amparo às vítimas nas tragédias brasileiras, quando ocorreu, foi lento e insuficiente. Os especialistas ouvidos pela BBC consideram que prevaleceu a proteção ao poder econômico em detrimento da reparação. “O poder econômico acaba ditando como devem se dar os programas de reparação, à revelia do poder público”, afirma Rafael Portella, da Defensoria Pública do Espírito Santo, que atuou na defesa dos atingidos pela tragédia de Mariana na Bacia do Rio Doce.
O Brasil é reconhecidamente falho para lidar com tragédias há décadas – tanto que o Banco Mundial fez um estudo entre 1995 e 2014 para calcular quanto o país perde com a resposta inadequada a desastres naturais – foram prejuízos da ordem de R$ 800 milhões por ano.
Segundo o relatório da entidade, os danos econômicos são agravados quando a população pobre é vítima de uma catástrofe. “Quando a população pobre é vítima de uma catástrofe, a perda proporcional de riqueza é de duas a três vezes maior do que entre a não-pobre, devido à natureza e à vulnerabilidade dos seus bens e meios de subsistência”, diz o Banco Mundial.
Falhas na prevenção e inadequação na resposta aconteceram, segundo investigações, em cinco grandes episódios ocorridos nos últimos quinze anos e levantados pela BBC News Brasil, que foi conferir qual a situação atual das pessoas afetadas, se as indenizações foram pagas e se houve algum tipo de responsabilização. Veja abaixo:
Rompimento da barragem em Mariana, 5 de novembro de 2015
O desastre: O colapso da barragem de Fundão, no subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana, em novembro de 2015, causou o transbordamento da barragem de Santarém e liberou cerca de 60 milhões de metro cúbicos de rejeitos de mineração.
A mistura de lama e lixo industrial destruiu distritos da cidade de Mariana, causou a morte de 19 pessoas e prejuízos ambientais e sociais ao longo dos 650 km entre a cidade e a foz do rio Doce, no Espírito Santo. Os danos ambientais e sociais estão sendo avaliados até hoje. Segundo o Ibama, mas de 770 mil hectares de áreas de preservação permanente foram afetados pelo desastre.
Como estão as vítimas em 2019: Mais de três anos depois da tragédia, até a população de outras cidades afetadas pela lama da barragem está sentindo efeitos da contaminação por metais pesados, como doenças respiratórias e de pele. E as famílias temem nunca ser indenizadas pela Samarco, mineradora responsável pela barragem que rompeu e controlada conjuntamente por Vale e BHP Billiton.
Mais de 500 mil pessoas tiveram o abastecimento de água comprometido em MG e no ES, segundo o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, órgão vinculado ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos. De acordo com a Defesa Civil de MG, somadas as populações dos 35 municípios do Estado no caminho da lama, é possível chegar a um número de 1 milhão de pessoas afetadas.
Os prejuízos econômicos também estão sendo contabilizados até hoje. Atividades que dependem do ambiente, como a pesca por exemplo, foram fortemente prejudicadas – até hoje pescadores lutam para sobreviver e, sem indenização, acumulam milhares de reais em dívidas.
O que as investigações apontaram: A Polícia Federal e o Ministério Público apontaram que as empresas sabiam do risco de rompimento. O Ministério Público também apontou falhas e omissões no processo de licenciamento ambiental das operações. No fim do ano passado, relatores da ONU enviaram carta ao governo brasileiro criticando omissão na investigação da tragédia, a falta de uma análise completa dos danos causados e de uma resposta adequeada às pessoas e comunidades prejudicadas.
Quem foi punido: Em outubro de 2016, o Ministério Público denunciou à Justiça 21 pessoas acusadas de provocar inundação, desabamento, lesão corporal e homicídio com dolo eventual (quando o réu assume o risco de matar). Mas o processo criminal chegou a ficar quase um ano parado desde então.
Até hoje, ninguém foi preso e o julgamento ainda não foi marcado. O MPF também promoveu uma ação coletiva no valor de R$ 155 bilhões contra a Samarco, mas essa ação foi finalizada no ano passado, quando a Samarco assinou na Justiça um novo termo de ajustamento de conduta que estabeleceu novas diretrizes para o processo de reparação dos impactos da tragédia e teve maior participação das comunidades atingidas. As empresas também foram multadas por diversos órgãos ambientais, mas só uma das 68 multas está sendo paga.
O que a empresa alega: A Samarco e suas controladoras – a Vale e a BHP Billiton – tratam o episódio como acidente, e uma fundação privada, a Renova, foi criada pela empresa para lidar com as reparações. A Renova diz que, até janeiro deste ano, foi pago R$ 1,4 bilhão em compensações, indenizações e auxílios financeiros.
“Foram atendidas 11.937 famílias em razão dos danos gerais sofridos, celebrando 8.388 acordos, pagando 8.321 indenizações e realizando 1.010 antecipações de indenização de danos gerais. Das propostas apresentadas, 98.9% foram aceitas e resultaram em acordos de indenização dos atingidos”, diz a fundação. A Renova diz também que o “auxílio financeiro emergencial, por sua vez, assiste atualmente 11.753 famílias.”
O que falta acontecer: Atualmente, o Ministério Público tenta reabrir a tomada de depoimentos de testemunhas após a defesa dos acusados pedir interrupção à Justiça Federal. O processo de pagamento de indenizações e acordos da Renova com as vítimas também está em andamento.
Mas o modelo de criar uma fundação privada para lidar com as consequências da catástrofe é criticado por quem acompanha o processo. “Isso gera um esfacelamento do limite entre o que é responsabilidade do público e o que é privado”, afirma Portella, da Defensoria Pública do ES.
A advogada e professora de direito ambiental Mariangélica de Almeida explica que a legislação brasileira dificulta a responsabilização por crimes ambientais na esfera penal: faltam crimes específicos para responsabilizar os donos e gestores das empresas. Para responsabilizar alguém criminalmente, é preciso que os atos das pessoas se encaixem perfeitamente na descrição de um crime existente na legislação. No entanto, é difícil de encaixar o tipo de responsabilidade dos gestores nas descrições na legislação brasileira.
Almeida cita o exemplo de Brumadinho. “Mandaram prender rapidinho os auditores. Por quê? Existe um crime específico na lei de crimes ambientais para uso de documentos fraudados em processos de licenciamento, e o caso dos auditores se encaixava perfeitamente nesse artigo”, diz ela. “Mas eles foram soltos porque conseguiram comprovar que tinham avisados os gestores da Vale dos riscos. Então, eles repartiram as responsabilidades. Mas porque não prenderam os gestores? Porque os gestores não se encaixam perfeitamente nesse crime.”
“Enquanto não criarmos um tipo específico (de crime) para quem tem poder de mando, os gestores vão continuar podendo se safar na esfera criminal”, diz ela.
“A Justiça é muito rápida para punir indivíduos em condições vulneráveis, mas não tem a mesma agilidade e os mesmos critérios quando se trata de grandes poderes econômicos”, diz Rafael Portella.
Incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, 27 de janeiro de 2013
O desastre: O incêndio na boate Kiss, em 2013, deixou 242 mortos e 636 feridos. A boate na cidade de Santa Maria (RS) pegou fogo quando a banda Gurizada Fandangueira, que tocava no local, acendeu um sinalizador para criar efeitos pirotécnicos. As chamas atingiram o revestimento de espuma do teto e se espalharam rapidamente.
Como estão as vítimas em 2019: As famílias das vítimas também entraram com ações cíveis de indenização contra os donos da boate, processo que está em andamento.
O que as investigações apontaram: A superlotação, a falta de saídas de emergência, a falha dos extintores de incêndio e a falta de outros equipamentos de segurança foram apontados pelas investigações feitas pela Polícia Civil e pelo Ministério Público como fatores que agravaram a tragédia e aumentaram o número de mortos.
Quem foi punido: A Polícia Civil concluiu o inquérito sobre o caso e indiciou 16 pessoas no fim de 2013. Quatro dos indiciados se tornaram réus por 242 homicídios em um processo que tramita na Justiça desde então: os dois sócios da casa, Elissandro Calegaro Spohr e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda, Marcelo Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão. Os quatro réus chegaram a ser presos durante a investigação, mas no mesmo ano passaram a aguardar o julgamento em liberdade.
Seis anos depois da tragédia, o julgamento ainda não foi marcado pois a Justiça não definiu qual o tipo de crime deve ser julgado. O Ministério Público pede que os réus sejam julgados por homicídio com dolo eventual – no qual o acusado assume o risco de matar alguém – e pedem julgamento por Tribunal do Júri. No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu que o crime em questão é homicídio culposo – quando não há intenção de matar – e portanto deve ser julgamento apenas pelo juiz, sem júri.
O Ministério Público chegou a abrir uma investigação sobre uma possível improbidade administrativa de funcionários da prefeitura da cidade e de outras autoridades por terem permitido que a boate funcionasse com licenças vencidas, mas nenhuma denúncia foi apresentada à Justiça.
O que a defesa dos acusados alega: A defesa dos réus diz que “não há no processo elementos que indiquem que os acusados tenham aceitado o resultado de morte ou lesões corporais das vítimas da boate Kiss”.
O que falta acontecer: Atualmente, dois recursos especiais sobre a questão estão sendo analisados pelo Superior Tribunal de Justiça (ST), que desde 10 de janeiro aguarda um parecer do Ministério Público Federal (MPF) sobre o caso. Só depois do julgamento no STJ o processo deve voltar para a primeira instância, onde o juiz deve marcar a data do julgamento – quer seja por um juiz ou por um Tribunal do Júri.
Incêndio no Museu Nacional, Rio de Janeiro, 2 de setembro de 2018
O desastre: Três meses após completar 200 anos, o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, foi consumido por um incêndio devastador que danificou seu acervo de 20 milhões de itens. O museu tinha o maior acervo de antropologia e história natural do Brasil e um dos maiores da América Latina, e ainda não existe um número oficial de quantas peças foram destruídas.
Como está o museu em 2019: Nesta semana, o museu abriu as portas para que fotógrafos registrassem o que sobrou da estrutura. Cheio de escombros, marcas de fogo, barras de ferro retorcidas e paredes desmoronadas, o museu se tornou um campo de “garimpo”.
Equipes técnicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que administra a instituição, trabalham em contêineres instalados próximos ao museu para recuperar peças, catalogá-las e levá-las para uma área de armazenamento da UFRJ. Até agora, cerca de 2 mil itens foram recuperados, entre eles os fragmentos do crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo já encontrado no Brasil, com 11,3 mil anos.
O que as investigações apontaram: Desde o ano passado, a Polícia Federal investiga as causas do incêndio – a instituição diz que aguarda a liberação do laudo técnico da perícia. A falta de manutenção do espaço do museu foi apontada por muitos se não como causa, pelo menos como fator agravante e responsável por uma devastação tão grande.
Alertas sobre risco de fogo e outros problemas estruturais começaram há mais de uma década. Entre 2013 e 2018, o orçamento anual do museu, repassado pela UFRJ, caiu drasticamente de R$ 531 mil, em 2013, para R$ 54 mil, em 2018.
Quem foi punido: Como as investigações ainda estão em andamento, ninguém foi responsabilizado pelo episódio e o caso ainda deve demorar para chegar na Justiça.
O que dizem as instituições envolvidas: Após o incêndio, a UFRJ divulgou uma nota dizendo que “há décadas as universidades federais do país vêm denunciando o tratamento conferido ao patrimônio das instituições universitárias brasileiras e a falta de financiamento adequado”. “Urge, por parte do Governo Federal, uma mudança no sistema de financiamento das universidades federais do país”, disse a nota.
O reitor da universidade, Roberto Leher, também afirmou nunca ter recebido qualquer recurso do Ministério da Cultura para manutenção do museu. O Minc, por sua vez, afirmou que o então ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, recebeu o reitor após assumir a pasta e nenhum projeto foi apresentado. “Sem apresentação formal de projetos, não é possível fazer a destinação de recursos”, disse a pasta.
O que falta acontecer: A repercussão da tragédia fez com que o museu conseguisse um investimento de R$ 85 milhões de diferentes fontes para recuperar o prédio e o acervo, mas a maior parte dinheiro ainda não está disponível – deve ser repassado ao longo deste ano, segundo o Alexander Kellner, diretor da instituição.
Colisão do Voo 3054 da TAM, 17 de julho de 2007
O desastre: O maior acidente aéreo do Brasil, em 2007, deixou um total de 199 vítimas fatais. Quando um avião da companhia TAM (atual Latam) que vinha de Porto Alegre não conseguiu parar na pista de pouso do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, ele acabou se chocando com um posto de gasolina e com um prédio ao lado do aeroporto, matando 186 pessoas a bordo e 13 no solo.
Como estão as vítimas em 2019: As famílias das vítimas criaram a Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo TAM JJ3054 (Afavitam) para lutar por indenizações e responsabilização.
O que as investigações apontaram: As investigações feitas pela Polícia Federal demoraram mais de dois anos para serem concluídas e não apontaram culpados – segundo a polícia, não havia como vincular o desastre às pessoas que tinham responsabilidade sobre o avião, o aeroporto ou o setor aéreo. A conclusão apontou que o acidente foi causado por um erro dos pilotos da aeronave, um Airbus A320.
No entanto, um relatório divulgado em 2009 pelo Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), instituição ligada à Força Aérea Brasileira, apontou outras causas e fatores contribuientes para o acidente, como a falta de infraestrutura no aeroporto e o excesso de autonomia dado aos computadores de bordo.
O relatório também apontou outro problemas, como o fato de que a “comunicação de falhas recorrentes e de maus funcionamentos não estava sendo feita regularmente à Autoridade de Aviação Civil” e o de que o manual da aeronave era de difícil acesso.
Quem foi punido: O Ministério Público chegou a acusar três pessoas: Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, então diretor de segurança de voo da TAM; Alberto Fajerman, que era vice-presidente de operações da empresa; e Denise Abreu, na época diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). No entanto, a Justiça absolveu os três acusados em 2015, sentença que foi confirmada em segunda instância em 2017. Depois da confirmação, o Ministério Público decidiu não recorrer.
O que dizem as instituições envolvidas: Depois do acidente, a Anac reviu normas e o aeroporto de Congonhas passou por obras para aumentar a segurança. A TAM fez acordos com as famílias das vítimas e chegou a pagar as indenizações. Em 2017, a companhia foi condenada a pagar um valor complementar. No mesmo ano, parte dos parentes das vítimas fecharam acordo de R$ 30 milhões com a Airbus, fabricante da aeronave.
O que falta acontecer: O caso está praticamente encerrado.
Enchentes e deslizamentos na Região Serrana do Rio de Janeiro, janeiro de 2011
O desastre: Entre os incontáveis desastres envolvendo enchentes e deslizamentos em metrópoles brasileiras, os episódios no início de janeiro de 2011 no Rio de Janeiro marcaram pelo tamanho da tragédia e pelas cenas desesperadoras de pessoas ilhadas pela chuva.
Uma sequência de fortes chuvas atingiu a região serrana do Estado causando deslizamentos e inundações em dezenas de municípios, deixando 918 mortos e cerca de 30 mil pessoas desalojadas e desabrigadas. Isso foi equivalente a 50% das mortes em desastres naturais nos 20 anos anteriores (entre 1991 e 2010, foram 1.783 mortes em 28 desastres).
Isso sem contar as milhares de pessoas afetadas de outras formas, como as que contraíram leptospirose por causa das inundações. Cidades como Teresópolis, Nova Friburgo, Bom Jardim, Petrópolis, Sumidouro, Areal e São José do Vale do Rio Preto decretaram estado de calamidade pública. A Defesa Civil estadual, as prefeituras e a Força Nacional empregaram mais de mil pessoas para lidar com a situação.
Segundo uma estimativa do Banco Mundial publicada em 2012, a tragédia gerou um prejuízo de cerca de R$ 4,8 bilhões, entre custos de reparação de encanamentos e canais de drenagem, danos a infraestrutura de energia, gastos com reconstruções de ruas e rodovias, prejuízos para o comércio e danos a propriedades particulares, entre outros.
Como estão as vítimas em 2019: Nas regiões atingidas há até hoje sinais da devastação de oito anos atrás. As moradias prometidas para retirar a população da região de risco não foram totalmente entregues.
O que apontaram as investigações: Causada pela junção das fortes chuvas com a ocupação irregular de encostas e várzeas de rios – que, apontam especialistas, é resultado do déficit habitacional – a tragédia foi agravada pela falta de prevenção nas cidades afetadas, cujas administrações alegaram falta de tempo para tomar as medidas necessárias.
O temporal havia sido previsto pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), mas a Defesa Civil estadual ignorou os alertas, segundo uma reportagem da Folha de S. Paulo na época.
No ano anterior ao desastre, o governo brasileiro havia admitido à ONU que boa parte do sistema de defesa civil do país estava despreparado para lidar com o impacto de desastres naturais. A avaliação estava em um documento enviado pela Secretaria Nacional da Defesa Civil.
Quem foi punido: A situação toda foi tratada como desastre natural. Nenhuma investigação oficial foi aberta e ninguém foi responsabilizado. Sérgio Cabral, que era governador do Estado da época, hoje está preso, mas por questões não relacionadas ao episódio – ele foi condenado a mais de 100 anos de prisão por 15 crimes diferentes no âmbito de operações como a Lava Jato.
O que dizem as instituições envolvidas: Após o episódio, o governo federal e o governo estadual liberaram R$ 551,7 milhões para ajudar as cidades afetadas.
O que falta acontecer: Uma solução permanente para o problema da moradia e da ocupação irregular das encostas está longe de acontecer. Não foi um tema prioritário na campanha do governador Wilson Witzel, eleito ano passado. Hoje, quase 172 mil pessoas ainda moram em áreas de risco na região serrana do Estado, segundo dados de serviços de emergência.
Segundo a ONU, a questão da responsabilização por crimes ambientais e desastres naturais não é só uma questão de legislação – a proliferação de leis ambientais ou mecanismos de punição não resolve sem um ambiente institucional em que elas sejam aplicadas.
“A menos que o Estado de Direito Ambiental seja fortalecido, leis aparentemente rigorosas estão fadadas a falhar”, afirmou David Boyd, relator especial da ONU sobre Direitos Humanos e Meio Ambiente, no ano passado.