FGTS e juro baixo animam consumo, mas desemprego e incerteza ainda impedem ‘PIBão’

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Foto: ROVENA ROSA/AG./ BRASIL

Por: BBC News

Depois de um primeiro semestre marcado por turbulências e notícias negativas para a economia — desastre de Brumadinho, guerra comercial entre EUA e China, crise na Argentina e turbulências políticas — a segunda metade do ano começou com um retrato mais positivo da economia, revelam dados divulgados hoje pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A queda dos juros básicos, que estão atualmente em 5% ao ano, o menor patamar da história do regime de metas de inflação, reanimou os empréstimos para pessoas e empresas e uma consequente alta do consumo entre julho e setembro deste ano. Além disso, o impulso dos saques de até R$ 500 do FGTS, que começaram a ser liberados em setembro e contam para o cálculo do PIB do terceiro trimestre, representaram um fôlego extra para o fim de ano dos consumidores.

Um “PIBão”, no entanto, ainda está longe de tornar-se realidade para o Brasil. O desemprego alto, com 12,4 milhões de pessoas desocupadas, e a desaceleração da economia global e do comércio internacional, no entanto, permanecem como entraves para que a economia avance em ritmo acelerado.

O IBGE divulgou hoje que, entre julho e setembro, a economia brasileira superou em 1,2% o crescimento registrado no mesmo período do ano passado. Já em relação ao segundo trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de toda a riqueza produzida pelo país, aumentou 0,6%. No ano de 2019, o PIB registra um crescimento acumulado até setembro de 1,0%, percentual idêntico ao crescimento acumulado nos 12 meses imediatamente anteriores a setembro de 2019.

Um dos principais motores desse crescimento no período foi o consumo das famílias, que registrou aumento de 0,8% no terceiro trimestre na comparação com um ano antes, e de 1,9% em relação ao trimestre anterior.

Na visão de economistas e analistas financeiros consultados pela BBC News Brasil, o desempenho positivo do PIB no terceiro trimestre pode representar um fôlego prolongado também para os últimos meses do ano, e 2019 pode terminar, nos cenários mais otimistas, com crescimento anual mais próximo de 2% do que de 1%.

“Parece ser uma economia que estava crescendo perto de 1% ao ano há muito tempo e agora, no terceiro trimestre está mais perto de 2%”, afirma Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco, que diz que a atividade econômica segue em processo gradual de aceleração. “Projetamos crescimento do PIB de 1% em 2019 e 2,2% em 2020”.

Imagem da carteira de trabalho nas mão de um trabalhadorDireito de imagem GETTY IMAGES
Saques do FGTS a partir de setembro ajudaram a aumentar consumo no terceiro trimestre

Consumo em alta, mas confiança ainda baixa

Os dados do IBGE confirmaram a expectativa dos economistas de que, em setembro, muitas famílias brasileiras arriscaram voltar às compras.

O aumento do consumo, refletindo o fôlego do FGTS somado aos juros e à inflação baixa, já aparecia em outros indicadores divulgados anteriormente pelo IBGE. O comércio varejista ampliado avançou 4,3% em setembro, na comparação com o mesmo mês do ano passado; o setor de serviços, que inclui atividades como comércio, transporte, atividades financeiras e imobiliárias, também registrou aumento de 1,5% nessa comparação. Até mesmo a indústria, que vem amargando um ano de encolhimento e redução das exportações, ganhou algum ânimo em setembro, crescendo 1,6% ante setembro do ano passado.

“Em novembro vimos várias notícias nos jornais dos varejistas declarando que as vendas surpreenderam, acima das vendas do ano passado, e eles esperam que não sejam só antecipação das vendas de dezembro”, diz Miranda, da FGV. “Esse aumento do consumo está sendo atendido por importados e pela indústria nacional, que também mostra reação”, diz Miranda, da FGV.

A economista da FGV explica que o clima de incerteza em relação à economia faz com que nem mesmo o dólar acima dos R$ 4, que seria uma boa notícia para os exportadores, seja suficiente para aumentar as vendas a ponto de compensar um ano de maus negócios. “Sabe-se que os efeitos das mudanças cambiais demoram a se fazer presentes, mas no incerto cenário atual mundial e do Brasil, essa demora se estende por um tempo mais longo”.

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB associados, o efeito do FGTS sobre a economia de 2019 será “nada espetacular”, em torno de 0,1 e 0,2 ponto no impacto total do PIB, mas acrescenta que o desempenho do PIB no terceiro trimestre é uma melhora interessante em relação aos trimestres anteriores, com sinais positivos para os próximos meses. “Os dados do PIB mostram um trimestre de transição entre uma economia muito fraca e uma com potencial de recuperação”, analisa Vale.

Em comparação com as más notícias do primeiro semestre, os dados mostram um terceiro trimestre de “certa calmaria, sem grandes choques, com a reforma da Previdência aprovada na Câmara”.

Fila de mutirão do emprego em 17 de setembro, em São PauloDireito de imagem SINDICATO DOS COMERCIÁRIOS DE SP
Desemprego, que ainda atinge mais de 12 milhões de pessoas, é um dos fatores que derrubam a confiança na economia

Na previsão de Vale, a expectativa é de que o avanço no consumo e no PIB se estendam também para os três últimos meses do ano.

“Tivemos uma boa Black Friday, a expectativa é de um Natal interessante. De termos um quarto trimestre bom e fecharmos o ano com crescimento na casa de 1%. Poderia ter sido melhor se não fosse o começo do ano tão desalentador”, cita o economista, que acrescenta ao primeiro semestre negativo as turbulências dos primeiros meses do governo Bolsonaro.

De acordo com a Fundação Getulio Vargas, embora os indicadores que medem a confiança dos empresários e consumidores mostrem que melhorou a avaliação deles sobre o momento atual da economia, “empresários e consumidores se mantêm cautelosos com a perspectiva de continuidade da tendência de aceleração”, diz a FGV. “Incerteza ainda elevada, desempenho lento da confiança da indústria e arrefecimento das expectativas acendem o sinal de alerta para os próximos meses”.

Construção ensaia reação positiva, após anos no “buraco”

Outro indicador positivo, embora ainda seja um movimento muito inicial, é que o setor da construção continuou a registrar avanços, depois de no segundo trimestre apresentar a primeira alta depois de 20 trimestres de queda. O que puxou o resultado positivo do setor, segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), foi o mercado imobiliário – e não as obras de infraestrutura – nas regiões Sudeste e Centro-Oeste.

Um dos setores mais relevantes da economia tanto em percentual do PIB quanto em geração de emprego, a construção foi extremamente afetada nos últimos anos pela recessão econômica e pelos efeitos da operação Lava Jato, que atingiu e paralisou o funcionamento operacional de várias grandes empresas, e pela crise fiscal que reduziu drasticamente o investimento público.

Dados da Pesquisa Anual da Indústria da Construção (PAIC) apontam que, entre 2013 e 2017, o valor adicionado pelas empresas de infraestrutura caiu 34% em termos nominais.

Por outro lado, números da CBIC mostram que a venda de unidades residenciais no Sudeste subiu 33,5% no segundo trimestre de 2019, em comparação com igual período do ano anterior. No Centro-Oeste, a alta foi de 22%. O Nordeste, por outro lado, apresentou queda de 17%.

Não significa, no entanto, que o setor já tenha se recuperado. “É importante notar que os números são muito ruins: as comparações estão sendo feitas a partir de uma base muito deprimida. Mesmo com essa alta, o país não terá investido 2% do PIB em infraestrutura em 2019”, alerta a economista Luana Miranda, da FGV.

O crescimento do investimento no terceiro trimestre, componente essencial para a retomada da economia, está inflado por conta da significativa importação de plataformas de petróleo em setembro, segundo a Fundação Getulio Vargas.

A projeção do Ibre, diante disso, é que o “investimento deve crescer 2,8% no ano; se o cálculo desconsiderasse a importação de plataformas de petróleo, esse número cairia para 2,4%”.

Funcionários trabalham em obraDireito de imagem GETTY IMAGES
Após 20 trimestres consecutivos de queda, construção subiu 2% na comparação com igual trimestre do ano anterior

Más notícias no cenário internacional

Os efeitos da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China no comércio mundial e o efeito Argentina, importante comprador de produtos como os carros brasileiros, são os principais fatores que influenciaram esse resultado.

Em novembro, a balança comercial teve um superávit de US$ 3,4 bilhões. Embora o saldo tenha sido positivo, esse foi o pior resultado para o mês em quatro anos. No acumulado de janeiro a novembro, o superávit é de US$ 41 bilhões, de acordo com o Ministério da Economia. Esse resultado também o mais fraco para o período desde 2015, quando o superávit foi de US$ 13,3 bilhões.

Na visão da MCM Consultores, as fortes quedas seguidas das exportações — devido ao desaquecimento externo, de modo geral, e à recessão na Argentina, em particular — podem em parte explicar o mau desempenho da indústria de transformação este ano.

De acordo com o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o ano de 2019 não foi nada positivo para o comércio exterior no Brasil, na análise dos dados até novembro. “Foi um ano de retrocesso”, diz relatório da entidade. “O acumulado de janeiro a novembro mostra que o Brasil participou menos do comércio internacional, indo na direção oposta do desejável, e, embora tenha preservado um saldo superavitário (US$ 3,4 bilhões), não foi capaz de evitar sua deterioração. Menos comércio exterior e menos superávit têm feito com que o setor externo não contribua com a recuperação do nosso PIB”.

Vai melhorar no ano que vem?

Na previsão do Ibre, da Fundação Getulio Vargas, o “PIBão” ainda não virá em 2020, principalmente em um cenário global ainda problemático.

“Sem dúvida, os principais fatores por trás da aceleração da atividade econômica são a queda da taxa de juros e a retomada do crédito privado. No entanto, ainda não esperamos uma retomada mais forte para 2020. Entre os motivos, como discutido acima, temos um cenário externo ainda desafiador, com a Argentina em recessão, dificultando uma recuperação mais expressiva da indústria de transformação, em que pese estarmos com câmbio competitivo”, afirma o relatório da instituição, que prevê para o ano que vem crescimento de 2% do PIB devido a um melhor desempenho esperado para a indústria.

“Mesmo com a recuperação econômica, a taxa de desemprego continuará elevada, recuando de 12% (média do ano) para 11,8%, com uma aceleração modesta do crescimento da renda habitual real, de 0,4% para 0,6%. A elevada informalidade é um fator que contribui para o baixo aumento da renda”.

Sergio Vale, da MB associados, prevê que o investimento deve acelerar no ano que vem, com “mais confiança das empresas em investir, mais concessões, especialmente no segundo semestre”. Um indicador positivo é a retomada de lançamentos no setor imobiliário, que vem apresentando crescimento em 2019.

Para a Fundação Getulio Vargas, uma aceleração mais forte da economia dependerá de uma melhora da confiança dos empresários e consumidores o que ainda não aconteceu. “O esfriamento das expectativas e os últimos resultados da indústria mostram que ainda existem empecilhos para uma recuperação mais robusta em 2020 e que o ritmo de crescimento ainda deve se manter lento”.

Luka Barbosa, do Itaú, prevê que mais empregos informais sejam substituídos por vagas formais nos próximos meses, de modo que a taxa de desemprego, atualmente em 12%, caia um pouco no ano que vem. “Projetamos um declínio gradual da taxa de desemprego (11,9% até o final deste ano, e 11,5% até o final de 2020)”, diz.

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