Por: BBC News
Com mais de 11 mil mortes por coronavírus e a maior taxa de letalidade por covid-19 na América do Sul, o Brasil virou motivo de grande preocupação e temor nos países vizinhos — levando aliados do presidente Jair Bolsonaro a colocar a afinidade política de lado e adversários na região a intensificar suas críticas ao líder brasileiro.
Assim que registrou os primeiros casos da doença, no início de março, o governo do presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, simpatizante de Bolsonaro, fechou as fronteiras com o Brasil. Militares paraguaios foram enviados para a região fronteiriça para impedir a entrada de automóveis e ônibus de excursões de compradores brasileiros no lado paraguaio. Além de arame farpado, foram construídas valas para impedir o trânsito do Brasil para seu vizinho, em Pedro Juan Caballero, um dos pontos fronteiriços.
Falando à BBC News Brasil de Ciudad del Este, um dos principais elos na fronteira entre os dois países, o vice-ministro de Atenção Integral à Saúde e Bem-Estar Social, Juan Carlos Portillo Romero, disse que a questão sanitária passou a ser a prioridade neste momento de pandemia. “Os dois governos, do Paraguai e do Brasil, têm muita afinidade, mas a nossa preocupação agora é com a saúde dos paraguaios. O Brasil é uma preocupação pelo número de casos, mas estamos tomando todas as medidas preventivas”, disse o vice-ministro. Segundo ele, foi intensificado, na semana passada, o controle para a entrada de paraguaios que chegam do Brasil à terra natal.
“Além da quarentena, estamos fazendo testes para o coronavírus quando eles chegam e quando concluem o isolamento antes de viajarem para suas casas aqui no Paraguai. No nosso país, os casos da doença são importados, vieram de vários lugares, mas principalmente do Brasil”, disse.
Oficialmente, o Paraguai, de cerca de 7 milhões de habitantes, registrou, na segunda-feira, um dos mais baixos índices da covid-19 na região, com 724 casos confirmados e dez mortes. “Com a quarentena, ganhamos tempo para preparar o sistema de saúde e fizemos dois hospitais de emergência, com 200 leitos, mas os hospitais estão vazios”, afirmou.
A apreensão com a situação no Brasil, o maior e mais populoso da América Latina, que faz fronteira com dez países, tem movimentado as altas esferas da política regional, além de ser citada, com frequência e em tom crítico, em programas de televisão nas nações vizinhas.
Na sexta-feira (8), o presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, disse que não tem previsão para a reabertura das fronteiras e afirmou que o Brasil é “a principal ameaça” na luta contra a pandemia. “Com o que o Brasil está vivendo, não passa por nossa cabeça a reabertura das fronteiras, já que talvez seja um dos lugares (o Brasil) onde há maior circulação da covid-19 e isso é uma grande ameaça para nosso país”, disse Abdo Benítez.
Na sexta-feira (8), a imprensa local informou que paraguaios faziam fila, inclusive no frio da noite, na Ponte da Amizade, entre Foz de Iguaçu e Ciudad del Este, esperando para entrar no país, onde são levados para albergues para a quarentena obrigatória. Muitos paraguaios trabalham no Brasil, principalmente em São Paulo, que registra altos índices da doença, o que contribui para a preocupação entre autoridades locais.
Fernando Masi, do Centro de Análises e Difusão da Economia Paraguaia (Cadep) Membro-Investigador, entende que o Paraguai não tinha outra alternativa. Que a saída para evitar a propagação da doença no país era fechar as fronteiras, disse pelo telefone, falando de Assunção. “Nosso sistema de saúde é muito deficiente. Uma epidemia do coronavírus aqui seria catastrófica. Quando o governo central enviou militares para a fronteira, políticos das cidades vizinhas do Brasil reclamaram porque dependem desse comércio de vendas para os brasileiros que chegam de ônibus de várias partes do país, mas a questão sanitária falou muito mais alto. Agora, vemos que foi positivo”, disse Masi.
Historicamente apontado como locomotiva econômica – e às vezes até política – da região, o Brasil hoje, pela situação da pandemia e estilo político do presidente Bolsonaro,tem gerado distanciamento ou cautela por parte de alguns vizinhos. “Politicamente, percebemos uma hegemonia dura por parte do governo Bolsonaro. Muito diferente da linha que era exercida, por exemplo, na época do ex-presidente Lula, apesar de, no atual governo brasileiro, muitas das obras que estavam paradas terem sido retomadas”, disse Masi.
Argentina
Na Argentina, por sua vez, as fronteiras com o Brasil e outros países continuam quase totalmente fechadas e, além disso, quase todos os voos permanecem suspensos.
A cidade de Paso de los Libres, na província de Corrientes, ao lado do território brasileiro, é o único ponto habilitado para o trânsito entre os dois países. Foi o primeiro lugar argentino a implementar a exigência do uso de máscaras e onde é realizado controle médico “rigoroso”. Os que passam por ali, segundo o jornal La Nación, de Buenos Aires, são obrigados a seguir direto e sem paradas ao seu local de destino — onde terá de cumprir quarentena.
Em março, a prefeitura de Paso de los Libres determinou que os argentinos que tinham viajado para o Brasil e voltavam para a Argentina evitassem passar pela cidade, buscando caminhos alternativos para seguir a viagem. “O trânsito foi fechado para cerca de seis mil argentinos que voltavam do Brasil”, informou a imprensa local, na ocasião, atribuindo o fato ao âmbito da pandemia.
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, disse que o Brasil é um mau exemplo no combate à covid-19. Inimigo político de Bolsonaro, ele trocou farpas com seu colega brasileiro até pouco antes da pandemia; ambos jamais conversaram, segundo informação oficial.
“Os que (deram prioridade à atividade econômica) acabaram juntando mortos em caminhões frigoríficos e enterrando (corpos) em fossas comuns”, disse Fernández recentemente à rádio Con Vos. Assessores do governo argentino disseram à BBC News Brasil que as declarações foram “sem dúvida” uma crítica ao presidente Bolsonaro. Fernández disse ainda, durante entrevista coletiva na sexta-feira (8), que preferiria que uma fábrica estivesse vazia porque seus trabalhadores estão em quarentena do que saber que a ausência teria ocorrido por eles terem adoecido ou morrido (pelo novo coronavírus).
O ministro das Relações Exteriores da Argentina, Felipe Solá, seguiu a mesma linha, dizendo que o Brasil “escolheu manter a economia em marcha e assumiu um risco enorme. Nós optamos por não colocar a vida dos argentinos em risco”.
A postura argentina levou o embaixador do Brasil em Buenos Aires, Sergio Danese, a escrever um artigo no La Nación, em abril, dizendo que os argentinos estavam sendo induzidos “a um medo extra nesta temporada global de medos: de que o Brasil supostamente ‘não faz nada’ em relação ao vírus Sars-CoV-2… e que representaria uma ameaça sanitária para a Argentina”. Para ele, este é um erro já que o país, escreveu, vem adotando medidas contra o novo coronavírus e era cedo para dizer que algum país já controlou o avanço da doença.
Na segunda-feira (11/05), a Argentina, que tem cerca de 40 milhões de habitantes, registrava 6.021 casos da doença e 305 mortes. Quase diariamente, emissoras de televisão locais, como a América TV, comparam os dados da Argentina e do Brasil, mostrando que a doença disparou no território brasileiro. O Brasil, disseram, “sem liderança clara neste combate e sem uma linha uniforme” contra a doença.
Para o professor de relações econômicas internacionais Raul Ochoa, da Universidade Tres de Febrero (Untref), de Buenos Aires, a pandemia passará a exigir maior controle sanitário dos produtos comercializados entre os dois países, de um lado e de outro da fronteira para evitar a expansão do vírus. “Vamos precisar de novos protocolos e de maior controle ainda. Mas para isso seria importante uma linha sanitária comum”, disse Ochoa.
A preocupação com o incremento de casos da Covid-19 no Brasil inclui outros países que fazem fronteira com o território brasileiro, como Uruguai, Bolívia, Peru e Colômbia. Peru e Colômbia compartilham o rio Amazonas com o Brasil e estão atentos ao que vem ocorrendo em Manaus, onde a quantidade de mortes e a falta de leitos, de insumos e até de locais para sepultamentos têm sido uma das principais notícias na América do Sul.
Uruguai
Na semana passada, o secretário da Presidência do Uruguai, Álvaro Delgado, informou que o governo uruguaio está “preocupado” com a situação de algumas localidades na fronteira, principalmente do lado brasileiro. Ele disse que o presidente, Lacalle Pou, orientou todos os ministros a aumentarem a presença de suas equipes na região fronteiriça. Em algumas destas localidades, brasileiros e uruguaios compartilham trabalhos comuns, além das mesmas ruas, avenidas e até praças, como informou a agência de notícias EFE. País com pouco mais de três milhões de habitantes, o Uruguai contava, na segunda-feira, com 707 casos de coronavírus e 19 mortes.
Bolívia
A Bolívia fechou, em março, suas fronteiras terrestres e fluviais e suspendeu voos. A quarentena, iniciada há quase dois meses, seguirá até o dia 17 de maio nas grandes centros urbanos do país, como Santa Cruz de la Sierra, perto da fronteira com o Brasil e com maior número de casos de covid-19 no país. “Aqui, apesar dos fortes vínculos entre Santa Cruz e o lado brasileiro, a maior preocupação é com os contágios no nosso próprio país e não do território brasileiro. As fronteiras foram fechadas e só passam casos de emergência ou do comércio, e com muito controle”, contou o jornalista Ronald Fessy, pelo telefone.
Em outro ponto da fronteira entre os dois países, em Guayaramerin, no departamento de Beni, com Guayará-Mirim, em Rondônia, a quarentena foi intensificada nas últimas horas com o registro dos primeiros casos da doença. Mas, ali também, segundo jornalistas do portal La Palabra del Beni, a preocupação é mais “interna” do que com os casos que poderiam chegar do Brasil.
De La Paz, o analista boliviano Javier Gómez, do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Trabalhista e Agrário (Cedla, na sigla em espanhol), disse que a “preocupação” é com a extensa fronteira da Bolívia com o Brasil, o que torna o controle na fronteira complicado. “A situação no Brasil nos leva a pensar que talvez tenhamos mais casos da covid-19 do que os registrados e, principalmente, nas populações que moram ao lado do Brasil”, disse Gómez. A Bolívia registra 2437 casos de coronavírus e 114 mortes.
Peru e Colômbia
No Peru, a Organização Regional de Povos Indígenas do Oriente (Orpio) destacou num comunicado, na semana passada, a vulnerabilidade dos povos indígenas da região de fronteira com o Brasil e a Colômbia. E comunicou que cinco indígenas ticuna faleceram por covid-19.
O médico Omar Montes, do centro de saúde de Bella Vista de Callarú, no Departamento de Loreto, na Amazônia peruana, disse à imprensa local que estima que os primeiros casos foram importados de Tabatinga, no Brasil, ou de Leticia, na Colômbia, na fronteira, onde moradores estiveram fazendo compras.
Líderes indígenas peruanos disseram, porém, que os casos na região amazônica ocorreram depois que muitos viajaram para outros pontos do país para retirar benefícios do governo central nesta pandemia e voltaram para as comunidades com o coronavírus.
País com cerca de 32 milhões de habitantes, o Peru sofreu nos últimos dias uma escalada no número de coronavírus, com mais de 68 mil casos confirmados e 1961 mortes.
O incremento estaria ligado, entre outros motivos, às dificuldades do cumprimento da quarentena, iniciada há quase dois meses, já que mais de 60% dos peruanos são trabalhadores informais e “se não trabalham não comem”, disse, pelo telefone, o professor de economia Carlos Aquino, da Universidade San Marcos, de Lima.
Como no Peru, a preocupação na Colômbia em relação ao aumento de casos de coronavírus no Brasil reside, principalmente, na Amazônia colombiana, onde está Leticia. Na sexta-feira, a Organização Nacional Indígena da Colômbia (Onic) informou que 55 indígenas de diferentes povos indígenas tiveram resultado positivo para o novo coronavírus. E que seis morreram nos últimos dias.
De acordo com a organização, a situação passou a ser preocupante com o aumento de casos nos países vizinhos — Peru, Brasil, Equador e Venezuela. Com cerca de 49 milhões de habitantes, a Colômbia tinha, na segunda-feira, 11 mil casos confirmados e 463 mortes por covid-19.