País ganhou quase 1 milhão de MEIs desde o início da pandemia; veja relatos

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Thiago Gomes Motta, Letícia Barreto Porfírio e Márcio Batata estão entre os brasileiros que se tornaram MEIs durante a pandemia — Foto: Arquivo Pessoal/ G1

Por: G1

Maria decidiu abrir um negócio próprio e virar microempreendedora individual (MEI) após ficar desempregada durante a pandemia de coronavírus. Thiago aproveitou a crise para mudar de área e deixar de ter patrão. Letícia resolveu fazer o registro de empreendedora formalizada após ver crescer a procura pelo seu serviço de aulas particulares para crianças. Já Marcos enxergou uma possibilidade ampliar o número de trabalhos e ter a cobertura da Previdência Social.

Os quatro fazem parte do universo de aproximadamente 1 milhão de novos microempreendedores individuais (MEIs) que o país ganhou desde o início da pandemia.

Segundo dados do Portal do Empreendedor do governo federal, o número total de registros de MEIs atingiu 10,775 milhões no último dia 12 de setembro, ante 9,788 milhões no dia 7 de março, data do último balanço divulgado antes do início da pandemia, declarada oficialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de marçoOu seja, um acréscimo de 985 mil trabalhadores em pouco mais de 6 meses.

No acumulado no ano, o Brasil já ganhou mais de 1,3 milhão de novos microempreendedores, contra 1,2 milhão no mesmo período de 2019. O número atual de registros representa também um avanço de 14% na comparação com o patamar do final de dezembro. Veja gráfico abaixo:

Número de MEIs no Brasil  — Foto: Economia G1

Número de MEIs no Brasil — Foto: Economia G1

O MEI é um regime tributário simplificado, com isenção de alguns impostos, criado em 2009 para incentivar e facilitar a formalização de pequenos negócios e de trabalhadores autônomos como vendedores, cabeleireiros, pedreiros, entregadores de aplicativos e professores particulares. Com o registro, o profissional pode ter CNPJ, emitir notas fiscais e ter acesso a benefícios previdenciários como auxílio doença e aposentadoria.

Com o aumento do desemprego e maior flexibilização das relações de trabalho, muitos brasileiros têm sido empurrados para o chamado “empreendedorismo por necessidade” como uma forma de sobrevivência, mas o MEI também tem sido usado como uma ferramenta para aumentar a renda e prestar serviços como pessoa jurídica a um custo relativamente baixo.

O contingente de 10,8 milhões de MEIs já equivale a mais de um terço do número de empregos com carteira assinada no país, que no 2º trimestre reuniu 30,2 milhões de pessoas, segundo o IBGE. Em paralelo, o Brasil perdeu 1,092 milhão de empregos formais no acumulado nos 7 primeiros meses do ano.

De acordo com o Ministério da Economia divulgados nesta semana, os MEIs eram responsáveis no final de agosto por 55% do total de 19,289 milhões de empresas ativas no país.

‘Ainda bem que tem essa opção’, diz presidente do Sebrae

O presidente do Sebrae, Carlos Melles, reconhece que parte do crescimento do número de MEIs está relacionado com a crise no mercado de trabalho, mas destaca que o avanço desta modalidade tem se mostrado uma tendência natural.

“Um termo vulgar é o ‘boi na seringa’. Ou seja, ou você entra ali ou você não tem muita opção, mas ainda bem que tem essa opção”, afirma. “Se não é a segurança do emprego com carteira, é pelo menos uma expectativa de que a pessoa possa achar o seu caminho através da sua vontade própria, da sua especialização”.

Leia a seguir relatos de novos MEIs, conheça as regras desse regime, e saiba o que têm levado um número cada vez maior de brasileiros a optar por essa modalidade de trabalho.

‘Precisei emitir notas fiscais’

A terapeuta Letícia Barreto Porfírio, de 25 anos, pós-graduanda em neuropsicopedagogia, decidiu abrir o MEI durante a pandemia devido ao aumento da demanda pelos seus serviços e necessidade de sair da informalidade.

“Aumentou muito a busca pelo meu serviço e demandou de mim maior institucionalização. Precisei emitir notas fiscais e ampliar espaço de atendimento”, conta a nova microempreendedora, que dá aulas particulares de musicalização infantil para crianças autistas e com outros desafios de desenvolvimento, como paralisia cerebral.

Ela se registrou como MEI no dia 18 de maio, data do seu aniversário. “Me dei de presente essa autonomia”, enfatizou.

Letícia conta que começou dando aulas em casa, mas passou a prestar serviço também dentro de uma escola no Rio de Janeiro, que lhe cede o espaço. Em março, ela tinha apenas dois alunos. Agora, já são 12 crianças, com idades entre 1 e 9 anos.

Embora o MEI tenha se tornado a alternativa de inserção de muitos jovens no mercado de trabalho, os números oficiais mostram que a maior concentração está na faixa dos 31 aos 40 anos, que reúne 3,3 milhões, ou 30,1% do total. Veja gráfico abaixo:

MEIs por faixa etária — Foto: Economia G1

MEIs por faixa etária — Foto: Economia G1

Levantamento da fintech MEI Fácil mostra que 37% dos MEIs abrem o CNPJ para se formalizar no mercado e que 59% dos microempreendedores já exerciam a função antes da abertura do registro.

Muitos, no entanto, acabam enfrentando dificuldades para conseguir emitir notas fiscais, uma vez que é necessário abrir um cadastro específico nas prefeituras ou estados. A estimativa é de que menos de 15% dos MEIs tenham hoje nota fiscal.

“Esse ainda é um processo extremamente moroso e burocrático, e não uniformizado. Muitos param no meio do caminho”, afirma o fundador da MEI Fácil, Marcelo Moraes.

‘Me garante alguma coisa’

A possibilidade de ampliar as oportunidades de trabalhos e ter mais facilidade para acessar crédito foi o que atraiu o fotógrafo Marcos Batata, de 39 anos, morador do Morro do Macaco, em Cotia, na Grande São Paulo, a entrar nas estatísticas do MEI.

“É um facilitador, caso haja a exigência da nota [fiscal]. Se for exigência do contratante, isso ajuda”, afirma o fotógrafo, que atua há 4 anos por conta própria.

Ele conta que se tornou MEI em agosto, após ajudar uma vizinha a fazer o registro pela internet e avaliar que ele também poderia se beneficiar. “É uma possibilidade de eu pagar o INSS. Não que eu vá me aposentar. Mas isso me garante alguma coisa se eu me machuco na rua, por exemplo”, diz.

Para Thiago Gomes Motta, de 37 anos, a crise econômica foi o impulso para a decisão de mudar de vez de área. Ele trabalhava no comércio e, em maio, decidiu empreender na área de construção civil, área em que já havia trabalhado. “Passei a poder administrar meu próprio tempo”, diz.

Thiago fez consultoria online com o Sebrae e investiu cerca de R$ 5 mil na abertura da empresa para realizar obras e ajudar oferecer capacitação profissional para jovens na Vila de Cava, em Nova Iguaçu, um dos municípios mais violentos da Baixada Fluminense.

A motivação para abrir a empresa era empregar o irmão caçula, Diego, que se encontrava em situação de vulnerabilidade social e foi assassinado na sexta-feira da Paixão, no dia 10 de abril, pouco mais de uma semana depois de completar 31 anos. “Infelizmente, não deu tempo de empregar meu irmão”, lamentou.

Passados quase quatro meses da abertura da empresa, ele afirma já ter recuperado o investimento. “Eu já estava trabalhando antes de abrir o MEI, mas pelo fato das pessoas estarem [mais] em casa e estar contando com uma renda extra, a gente acabou sendo chamado para fazer várias obras, porque a construção civil não parou com a pandemia, porque é serviço essencial”, conta.

Sem alternativa, pessoas que perderam emprego na pandemia viram microempreendedores

‘Foi a única saída que eu vi’

A cozinheira Maria Carleusa Alves, de 47 anos, abriu o MEI após ficar desempregada em plena pandemia. Ela passou a vender marmitas na bairro após ficar sem renda e ter que entrar na fila de espera para receber o seguro-desemprego.

“Foi a única saída que eu vi para trabalhar e não ficar sem nada dentro de casa”, afirma a cozinheira, que perdeu o emprego no final e abril, mas só conseguiu receber a primeira parcela do seguro-desemprego em agosto.

Ela conta que decidiu ter um CNPJ após um dos seus maiores clientes passar a pedir nota fiscal e prometer encomendar mais de 40 refeições por dia. “De repente, ele sumiu. Nunca mais falou nada. E eu ligo, mas ele não me atende”, conta a cozinheira, que 1 mês após se formalizar foi forçada a dar uma pausa no negócio.

“Eu vi tudo ficando mais caro e não estava tendo lucro de nada. Pensei: ‘Se aumentar o valor da marmitex, as pessoas não vão comprar’. Daí achei melhor dar uma parada por enquanto até melhorar as coisas”, afirma.

Apesar das dificuldades para viabilizar o negócio, ela diz que sempre teve a vontade de empreender e planeja agora transformar a garagem da casa num pequeno restaurante. “Clientela eu tenho, todo mundo gosta da minha comida. Quando for ano que vem, quero começar a atender no meu próprio salão”, diz.

Atualmente, são mais de 500 atividades permitidas para o registro de MEI. Além da atividade principal, o microempreendedor pode registrar até 15 ocupações para atividades secundárias.

Levantamento da MEI Fácil mostra que as atividades com o maior no número de registros neste ano foram as relacionadas ao comércio de artigos do vestuário, cabeleireiros, manicure e pedicure e venda de refeições. Veja ranking abaixo:

Atividades com maior número de novos registros — Foto: Economia G1

Atividades com maior número de novos registros — Foto: Economia G1

‘É o se vira nos 30’

O especialista em empreendedorismo Marcelo Moraes explica que o faturamento médio mensal dos microempreendedores com CNPJ costuma ser baixo, ao redor de R$ 2 mil, e que cerca de metade dos MEIs em atividade no país passaram realizar mais de uma atividade durante a pandemia para compensar a perda de renda.

“É uma renda de sobrevivência. É um público que trabalha muito com o comércio de rua. É a pequena lanchonete, o pipoqueiro, o carrinho de cachorro-quente, a venda direta, quem trabalha com obras. E é um público que tem uma flexibilidade para exercer outras atividades. É o carpinteiro que passa a fazer marmita, é o pedreiro que passa a dirigir Uber. É o se vira nos 30, se necessário”, afirma.

Uma mostra da situação de maior vulnerabilidade destes trabalhadores é que praticamente metade dos MEIs está recebendo o Auxílio Emergencial do governo federal.

Dados do IBGE mostram que a renda média mensal do trabalhador por conta própria com CNPJ costuma ser superior à dos trabalhadores informais. Mas nem todos os MEIs conseguem manter uma remuneração mensal ou contínua.

“Uma coisa é a pessoa ganhar R$ 1.500 todo mês. Outra é ganhar R$ 3 mil em um mês e zero no outro. A terceira é não saber quando é o zero e quando é o R$ 3 mil”, destaca Moraes.

Não há número oficiais sobre o percentual de MEIs que não utilizam mensalmente o CNPJ, mas uma das vantagens do programa é que o registro pode ser mantido mesmo que o profissional realize poucos serviços a terceiros ao longo do ano ou até mesmo venha a ter um emprego com carteira assinada.

Os dados sobre impostos atrasados indicam, porém, que uma parcela significativa desses microempreendedores tem dificuldade para manter o pagamento em dia. A inadimplência tem se mantido historicamente acima de 50%. Em julho, 50,13% dos MEIs inscritos pagaram em dia a guia mensal, segundo dados da Receita Federal.

Renúncia fiscal

Atualmente, o custo de contribuição mensal do registro é de até R$ 58,25. Pelas regras do programa, 2 anos consecutivos de não pagamento da guia de recolhimento mensal e de omissão da declaração anual das operações comerciais podem levar também ao cancelamento do CNPJ. A última exclusão foi realizada em 208, quando 1,37 milhão de registros foram cancelados.

O presidente do Sebrae afirma que, em razão da pandemia, a Receita sinalizou que não irá realizar por enquanto novas exclusões, e avalia que o programa tem um custo relativamente barato. “Por menos de R$ 60 por mês, a pessoa se torna um microempreendedor legalizado, com uma liberdade muito grande”, destaca.

O economista do Ibre/FGV, Daniel Duque, destaca que o principal benefício do MEI é o baixo valor pago de imposto.

“O MEI funciona hoje como uma grande isenção fiscal, que tem sido usado por trabalhadores e empresas para pagar menos impostos. Quanto mais pessoas entrarem no MEI, mais vai ser difícil criar um menor subsídio para esse tipo de trabalho”, afirma.

Segundo a Receita Federal, a renúncia tributária com o MEI está estimada em R$ 3,294 bilhões em 2020. Embora o valor tenha praticamente dobrado em relação a 2016 (R$ 1,676 bilhão), representa apenas 1% dos mais de R$ 320 bilhões previstos para o ano em isenções no país

Regras do MEI

Ao se cadastrar como MEI, o empresário é enquadrado no Simples Nacional – com tributação simplificada e menor do que as médias e grandes companhias – e fica isento dos tributos federais (Imposto de Renda, PIS, Cofins, IPI e CSLL).

Podem aderir ao MEI os negócios que faturam até R$ 81 mil por ano (ou R$ 6,7 mil por mês) e com, no máximo, um funcionário.

O valor de contribuição mensal varia de R$ 53,25 a R$ 58,25, dependendo do ramo de atividade, somados os recolhimentos de INSS, ICMS e ISS. O pagamento de ser efetuado até o dia 20 de cada mês.

Ao fazer o registro, o trabalhador passa a ter direito a aposentadoria por invalidez, auxílio doença, salário maternidade e pensão por morte para seus familiares. Vale destacar porém que, ao ficar inadimplente, o microempreendedor pode não conseguir esses benefícios.

Para fazer o registro é preciso checar se o negócio se enquadra em uma das 500 atividades permitidas pelo MEI. Para se inscrever basta acessar o Portal do Empreendedor.

Confira alguns dos benefícios do MEI:

  • Legalização das atividades desempenhadas
  • Redução do número de impostos, com isenção dos federais
  • Contribuição de valor menor para a Previdência Social
  • Pagamento simplificado de tributos
  • Direito a aposentadoria, auxílio-doença e auxílio-maternidade
  • Possibilidade de contratação por outras empresas
  • Possibilidade de emissão de notas fiscais
Número de MEIs no Brasil — Foto: Economia G1

Número de MEIs no Brasil — Foto: Economia G1

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