Desigualdade de salários vai a novo recorde no 3º trimestre

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Foto: Reprodução CRÉDITO, GETTY IMAGES

Por: BBC News

A desigualdade de renda do trabalho voltou a bater recorde no Brasil no terceiro trimestre de 2020.

A terceira alta seguida do indicador este ano sinaliza que a recuperação da atividade econômica após o relaxamento das medidas de distanciamento social impostas pela pandemia tem acontecido de forma concentradora de renda.

O Índice de Gini da renda do trabalho chegou a 0,681 no trimestre encerrado em setembro, vindo de 0,679 no segundo trimestre e de 0,651 nos três primeiros meses do ano. O patamar atual é o mais alto da série histórica que tem início no quarto trimestre de 2015.

O Índice de Gini é um indicador de desigualdade que varia de 0 a 1, onde zero indica a igualdade perfeita. Assim, quanto maior o número, maior a disparidade de rendimentos.
O cálculo foi feito pelo economista Daniel Duque, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), com base nos dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua Trimestral, divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta sexta-feira (27/11).

“Os dados mostram que esse aumento da desigualdade aconteceu mesmo em meio a uma recuperação da atividade no terceiro trimestre. Isso é algo que impressiona”, diz Duque.

“O mercado de trabalho mostra uma pequena melhora em relação ao segundo trimestre, que foi o pior período da crise, mas é uma recuperação que concentra os ganhos na população mais rica.”

Desigualdade recorde. Índice de Gini da renda do trabalho* atingiu maior nível da série histórica. *Rendimento médio efetivamente recebido em todos os trabalhos.

Desemprego recorde

No terceiro trimestre, a taxa de desemprego chegou a 14,6%, recorde da série histórica iniciada em 2012, com 14,1 milhões de desempregados.

A população ocupada caiu para 82,5 milhões, com o percentual de pessoas em idade de trabalhar efetivamente empregadas indo a 47,1% – ambos os indicadores atingiram mínimas históricas no trimestre findo em setembro.

Apesar desse quadro desalentador, Adriana Beringuy, gerente da Pnad no IBGE, destaca que a perda de ocupações diminuiu de ritmo no terceiro trimestre, um sinal de que o momento mais agudo da crise possivelmente ficou para trás.

No terceiro trimestre, foram fechados 880 mil postos de trabalho em relação ao trimestre anterior. Já no segundo trimestre, a perda de ocupações havia chegado a 8,9 milhões.

“A perda de empregos foi 10% do que havia sido no segundo trimestre. Isso já pode ser considerado como um possível processo de melhora, ou de redução das perdas”, disse Beringuy durante coletiva de imprensa.

Além dessa redução de perdas no mercado de trabalho, o terceiro trimestre foi marcado por uma recuperação generalizada da atividade econômica, com o IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central) registrando alta de 9,47% entre julho e setembro, em relação ao trimestre anterior, após queda de 10,18% no segundo trimestre.

Esse indicador é considerado uma espécie de “prévia” do PIB (Produto Interno Bruto), embora os dois índices tenham metodologias diferentes.

Recuperação concentradora

Para Duque, do Ibre-FGV, são três os fatores que explicam o avanço da desigualdade de renda do trabalho no terceiro trimestre, mesmo em meio à retomada da atividade econômica.

O primeiro deles é a recuperação da renda dos trabalhadores formais. Isso porque uma parte dos trabalhadores com carteira que teve redução de jornadas e salários como parte do programa BEm (Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda), instituído pelo governo em abril, voltou a receber seus rendimentos de forma integral no terceiro trimestre.

Um segundo fator é que os setores de serviços e comércio, que empregam trabalhadores menos qualificados, ainda mostram perda de vagas no terceiro trimestre.

Operários trabalham em fábrica de carros

Um terceiro elemento é que o auxílio emergencial, que ainda tinha valor de R$ 600 até setembro, manteve reduzida a participação no mercado de trabalho dos empregados de menor renda.

Segundo o economista, o fenômeno é distinto do que aconteceu no segundo trimestre.

Enquanto agora a desigualdade é puxada pela melhora de renda dos trabalhadores melhor remunerados (aqueles com carteira assinada), no período de abril a junho, a forte alta da desigualdade foi puxada pelo fato de que, naquele momento, os trabalhadores informais foram os que mais perderam renda, devido à impossibilidade de trabalhar com as medidas de distanciamento social.

“No segundo trimestre, foi uma questão de quem perdeu mais, que foram os mais pobres, agora, a questão é quem ganhou, que foram os mais ricos”, resume Duque.

Cenário à frente

Nos próximos trimestre, o economista da FGV avalia que a desigualdade de renda do trabalho deve voltar a diminuir.

“O terceiro trimestre surpreendeu. A expectativa era de que a desigualdade cairia, com a recuperação da atividade. Então não se pode descartar uma nova surpresa”, pondera Duque.

Operário trabalha em fábrica

“Mas a expectativa é que, à medida que o mercado de trabalho volte a se recuperar com maior força para os informais, e que o fim do auxílio emergencial leve essas pessoas de volta ao mercado de trabalho, a renda desses trabalhadores aumente, principalmente no ano que vem, já que no quarto trimestre ainda haverá o auxílio, mesmo com valor reduzido a R$ 300.”

Assim, o ano de 2021 poderá ser paradoxal para o mercado de trabalho. Com a volta das pessoas à busca por emprego, a taxa de desocupação tende a continuar subindo, já que o IBGE só considera como desempregadas pessoas que estão efetivamente em busca por trabalho.

Mas, ao mesmo tempo, a geração de vagas também deve aumentar e a desigualdade de renda do trabalho deve diminuir, com a volta à ocupação dos informais.

Metodologia

A renda do trabalho considera apenas os rendimentos obtidos pelos trabalhadores no exercício de ocupações remuneradas. Assim, não entra nesse cálculo rendimentos recebidos através de programas sociais, como o auxílio emergencial e o Bolsa Família.

A renda de todas as fontes é divulgada pelo IBGE apenas anualmente, enquanto a renda do trabalho é divulgada a cada trimestre. Mas dados da Pnad Covid-19, pesquisa criada pelo instituto para mensurar os efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho, mostram que, incluindo o auxílio emergencial, a desigualdade diminuiu em meio à pandemia.

“A renda do trabalho e a desigualdade antigamente caminhavam juntas, o que faz sentido, porque a renda do trabalho é uma grande parte da renda total das famílias. Então, quando a renda do trabalho piorava, geralmente a desigualdade total também piorava. Agora, com o auxílio emergencial, houve um descolamento entre renda total e renda do trabalho”, diz Duque, acrescentando que isso explica a diferença no comportamento das duas medidas de desigualdade.

Para fazer o levantamento, Duque levou em conta o rendimento médio real efetivamente recebido em todos os trabalhos pelos brasileiros. Esse indicador teve uma quebra na série histórica em 2015, quando o IBGE mudou a metodologia de coleta do dado.

Outro indicador de renda do trabalho, o rendimento habitualmente recebido, considera agora os valores recebidos pelos trabalhadores antes da pandemia e, por isso, não serve à finalidade de mensurar a desigualdade no momento atual. Por esse motivo, a série de desigualdade de renda do trabalho não pode mais ser estendida até 2012, para incluir dados anteriores à crise passada. Essa é uma quebra de série que será permanente, diz Duque.

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