Por: G1
Uma estudante baiana faturou um prêmio nos Estados Unidos após desenvolver uma ideia visando solucionar um problema muito comum no Nordeste do Brasil: a falta de acesso à água potável.
Anna Luisa Santos, de 21 anos, criou um sistema de filtragem sustentável para ser ligado a cisternas que utiliza radiação solar para tornar a água contaminada própria para consumo em regiões castigadas pela seca.
Estudante da BA cria tecnologia para filtrar água através da luz solar em regiões do semiárido e leva prêmio nos EUA — Foto: Divulgação
A jovem, que se formou em Biotecnologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 2018, e outros três estudantes que abraçaram a ideia levaram uma bolada de R$ 25 mil com o segundo lugar na competição HackBrazil, evento brasileiro de tecnologia em Boston (EUA) que premia iniciativas empreendedoras.
Aqualuz é acoplado a cisternas para realizar filtragem da água através da luz do sol — Foto: Divulgação
A final aconteceu no dia 5 de abril durante a Brazil Conference, evento que estreou em 2015 e é coordenado por alunos brasileiros de Harvard e do MIT — duas instituições da “Ivy League”, a elite das faculdades norte-americanas — para promover o encontro com líderes e representantes do país. A competição reuniu 400 startups de tecnologia.
A tecnologia foi batizada de “Aqualuz”. Trata-se de uma caixa de inox que é coberta por um vidro e uma tubulação simples ligada à cisterna, um reservatório comumente usado para armazenar água da chuva ou de caminhão-pipa. A filtragem da água ocorre sem a necessidade de uso de compostos químicos. Como consequência, ajuda na redução dos índices de doenças.
“A gente teve uma preocupação de desenvolver um sistema que fosse simples e eficiente para as pessoas, com uma excelente durabilidade”, destacou Anna Luisa, em contato com o G1.
Projeto criado por estudante baiana permite filtragem de água com luz solar — Foto: Divulgação
Por meio da tecnologia, a filtragem ocorre por etapas.
- Primeiro, a água é bombeada da cisterna até a caixa, por meio de um encanamento, passando por um filtro ecológico que é feito de sisal;
- O filtro ecológico retém partículas sólidas;
- Depois, já com a água armazenada na caixa de inox, ocorre a desinfecção, em que o líquido é exposto à radiação solar para eliminação dos micro-organismos patogênicos. A alta temperatura na caixa ajuda a eliminar impurezas.
- Por fim, um dispositivo que muda de cor, acoplado à caixa, alerta quando a água pode ser retirada da caixa, já pronta para o consumo, por por meio de uma torneira.
Cada ciclo de filtragem dura, em média, 4 horas. O dispositivo, que filtra até 28 litros de água por dia, dura cerca de 15 anos apenas com limpeza de água e sabão, troca do filtro natural (com o estoque de refil já fornecido), sem precisar de manutenção externa ou energia elétrica.
Testes preliminares feitos em laboratório certificado, que usaram parâmetros do Ministério da Saúde, revelaram que o “Aqualuz” reduziu em 99,9% a presença de bactérias de referência.
O aparelho, no entanto, não resolve problemas de contaminações por metais, químicos, elementos radioativos e nem de salinidade. Além disso, outro limitador é que funciona apenas com a presença do Sol — em dias nublados, o ciclo de filtragem demora mais porque requer mais tempo de exposição.
“O ‘Aqualuz’ pode ser usado por até três famílias. Por enquanto, a gente indica o uso só em cisternas. Para rios e postos artesianos tem que ter análise da água para saber se é possível a descontaminação microbiológica e se tem contaminação adicional de metais pesados, por exemplo. Nesse caso, o ‘Aqualuz’ não resolve”, relata a estudante.
Anna afirma que 35 unidades do “Aqualuz” já foram implantadas em cidades de quatros estados no Nordeste: Bahia, Pernambuco, Ceará e Alagoas.
O custo do equipamento é de R$ 500 por unidade, mas Anna diz que a intenção não é comercializar diretamente para as pessoas que vivem no semiárido.
“A nossa proposta é vender o projeto para empresas, nosso foco são as empresas grandes com iniciativas de responsabilidade socioambiental, e também para órgãos governamentais, para que eles possam implementar e ajudar a melhorar a qualidade de vida dos moradores do semiárido”, destaca.
A ideia e os próximos passos
Anna Luisa trabalha com projeto desde os 15 anos de idade — Foto: Divulgação
Anna Luisa conta que teve a ideia de criar o projeto quando tinha 15 anos e ainda cursava o ensino médio. “Tive a ideia para participar do Prêmio Jovem Cientista, em 2013, ano internacional de cooperação pela água. A minha ideia foi realmente ajudar a resolver a questão da água potável no semiárido. Na ocasião, não ganhei o prêmio, mas continuei o projeto até chegar na faculdade”, conta.
Já na Ufba, Anna diz que ingressou na Academic Working Capital, um programa de empreendedorismo universitário do Instituto TIM, e pode desenvolver ainda mais a ideia, que também já ganhou outros prêmios como o Champion of Water Challenge by UM, no Fórum Mundial da Água 2018, e o Young Water Solutions Fellowship 2018.
“Eu me inseri num movimento de startup, e o professor disse que o projeto tinha potencial. Então, comecei a aprender um pouco mais. Durante esse período, tive várias monitorias que ajudaram a entender melhor como funciona o negócio. Eu e os demais estudantes que aderiram a ideia nos destacamos e fomos selecionados para o HackBrazil, onde ficamos entre os cinco finalistas”, destacou.
Estudante da BA cria tecnologia para filtrar água através da luz solar em regiões do semiárido e leva prêmio nos EUA — Foto: Divulgação
O prêmio de R$ 25 mil que eles ganharam em Boston será usado para ampliação do projeto e para que possa ser disponibilizado em mais cidades, afirma a estudante.Também participa da equipe Letícia Nunes Bezerra, aluna do Curso de Engenharia Ambiental, da Universidade Federal do Ceará (UFC), Marcela Sepreny, graduanda em Engenharia Química no Centro Universitário Senai Cimatec (BA), Lucas Ayres, profissional formado em Ciência da Computação pela UFBA, responsável pelo design e marketing do Aqualuz.
“A gente vai usar o dinheiro para desenvolver ainda mais o projeto, obter ainda mais certificações técnicas que atestem a eficiência do produto e implantar no semiárido inteiro. Estamos fazendo parceria com a Ufba para desenvolver mais testes. Hoje, já temos laudo que atesta que diz que o produto é eficiente, mas, como se trata de tecnologia para saúde, a gente também precisa de validações mais detalhadas. Quanto mais validações, melhor”, destaca.