A participação dos negros no mercado de trabalho aumentou entre 2013 e 2014, nas regiões metropolitanas de Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo. Mas o rendimento médio dessa parcela da população, embora tenha melhorado, ainda é expressivamente inferior ao dos não negros. Esta é a faceta visível da tão dissimulada discriminação racial do Brasil.
As informações fazem parte de pesquisa divulgada nesta terça (17) pela Fundação Seade e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), para marcar a semana que culmina com o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro.
Segundo o estudo, é o crescimento econômico verificado nos últimos anos que tem possibilitado à população negra, composta por pretos e pardos, uma melhora na inserção produtiva. “Em termos gerais, essa população se beneficia do processo de estruturação do mercado de trabalho brasileiro”, diz o relatório.
No entanto, a pesquisa indica que os negros estão mais presentes em ocupações mais precárias, caracterizadas pela ausência de proteção social e com menores remunerações. Em 2014, pretos e pardos recebiam entre 37,3% (em Salvador) e 22,5% (em Fortaleza) a menos que os não negros, nas regiões investigadas.
Mercado de trabalho
Em 2014, a população negra representava mais de dois terços da População em Idade Ativa (PIA) e da População Economicamente Ativa (PEA), ou seja, era maioria em relação aos não negros, nas regiões de Fortaleza, Recife e Salvador. Nesta última, os negros apresentaram a participação mais elevada na PIA (92,3%) e na PEA (92,4%).
A taxa de participação – a proporção da PEA em relação à PIA – dos negros é ligeiramente superior à dos não negros nas regiões de Fortaleza (57,6% e 57,0%, respectivamente, em 2014), Recife (55,8% e 55,2%), Salvador (58,8% e 57,8%) e São Paulo (63,1% e 62,0%). A exceção ocorre em Porto Alegre, onde a taxa de participação dos negros (53,9%) é relativamente menor que a dos não negros (54,4%) em 2014.
A inserção produtiva das mulheres negras no mercado de trabalho foi superior à das não negras nas regiões de Porto Alegre, Salvador e São Paulo. Nas regiões metropolitanas de Salvador e São Paulo, a presença da mulher negra mostrou-se mais intensa que nas demais regiões, 51,9% e 56,5%, respectivamente. Na Região Metropolitana do Recife, as mulheres negras e não negras apresentaram as menores taxas de participação, refletindo uma situação mais desigual em relação aos homens. Entre 2013 e 2014, a participação das mulheres decresceu em quase todas as regiões, exceto em Fortaleza.
De qualquer forma, 2014, as mulheres negras seguem com uma participação menos expressiva que os homens negros no mercado de trabalho, o que indica desigualdade de acesso e permanência no mercado de trabalho segundo sexo, independente de raça/cor. Entre os homens, as taxas de participação de negros e não negros são bastante semelhantes e continuam mais elevadas do que as verificadas para as mulheres.
O estudo indica que a desigualdade no acesso ao mercado de trabalho e nas condições de trabalho que afeta os negros é ainda mais intensa quando se trata das mulheres negras. “A dinâmica do mercado de trabalho expressa os padrões vigentes nas relações raciais e de gênero na sociedade brasileira”, afirma a pesquisa.
Desemprego
Apesar da intensidade da presença dos negros no mercado de trabalho metropolitano, esse segmento populacional ainda convive com patamares de desemprego mais elevados. No último ano, a proporção de negros no contingente de desempregados na maioria das regiões foi superior a 80,0%, exceto nas regiões metropolitanas de Porto Alegre (19,1%) e São Paulo (42,6%).
Contudo, em todas as regiões, independentemente do peso relativo da população negra, observa-se um padrão de inserção desse segmento na condição de desempregados, ou seja, a proporção de negros entre os desempregados é sempre superior à parcela de negros entre os ocupados e no conjunto da População Economicamente Ativa (PEA).
Na Região Metropolitana de Porto Alegre, a proporção de negros na PEA foi de 13,3%, e, entre os desempregados, correspondeu a 19,1%. Já na Região Metropolitana de Salvador, a população negra representava 92,4% da População Economicamente Ativa e 94,2% entre os desempregados.
Entre 2013 e 2014, as taxas de desemprego apresentaram reduções na maioria das regiões analisadas. A desagregação dos dados pelos grupos de cor/raça mostra que a redução do desemprego ocorreu para negros e não negros. Na maioria das regiões, a redução do desemprego total para os não negros foi percentualmente maior que para os negros. Entretanto, na região de Salvador, o desemprego declinou apenas para a população negra e, em São Paulo, aumentou para não negros, mas permaneceu estável para negros.
Embora o desemprego ainda seja maior entre os negros, observa-se importante redução do diferencial das taxas de desemprego total entre os negros e não negros ao longo dos anos. Na análise por raça/cor e sexo, destaca-se a sobreposição da discriminação sobre as mulheres negras, que apresentam as mais elevadas taxas de desemprego em comparação aos demais grupos.
O desemprego atingia mais as mulheres negras do que os homens negros e não negros, em 2014. Na Região Metropolitana de Salvador, a taxa de desemprego das mulheres negras (20,5%) equivalia aproximadamente a duas vezes a taxa dos homens não negros (10,6%). A menor distância observada foi na Região Metropolitana de Fortaleza (mulheres negras, 8,7%, e homens não negros, 6,7%).
Ocupação
Entre 2013 e 2014, a proporção de ocupados negros no mercado de trabalho cresceu nas regiões metropolitanas pesquisadas pelo Sistema PED, para mulheres e homens. Em Fortaleza, a proporção de ocupados negros aumentou 6,5 p.p. e, em Salvador, 0,9 p.p.. No último ano, 92,0% do total de ocupados eram negros em Salvador e 82,9%, em Fortaleza. A menor concentração de negros no conjunto dos ocupados foi observada na Região Metropolitana de Porto Alegre: 12,9% do total.
Por setor, como os demais trabalhadores, os negros concentravam-se nos serviços, que, no entanto, absorviam, relativamente, mais os não negros. Na indústria de transformação, a proporção de negros ocupados era bastante próxima da de não negros. As exceções foram Fortaleza (negros, 18,4%, e não negros, 15,7%) e Porto Alegre (negros, 17,3% e não negros, 13,3%), áreas onde havia mais negros neste segmento.
Já no setor da construção – em que predominam postos de trabalho com menores exigências de qualificação profissional, relações de trabalho mais precárias e menores rendimentos – absorvia um percentual de homens negros bem mais elevado do que de não negros.
No emprego doméstico, os negros, em especial as mulheres, possuem participação relativa bastante elevada. Em São Paulo, 19,0% do total de ocupadas negras estavam inseridas nesse segmento em 2014.
No setor público, onde o ingresso ocorre principalmente por meio de concurso público, é notável a menor presença de negros em relação aos não negros em todas as regiões investigadas. “A explicação para essa diferença possivelmente tem origem no fato de cerca da metade dos assalariados públicos possuírem nível de escolaridade superior”, diz o estudo.
Do ponto de vista das garantias trabalhistas e previdenciárias, em 2014, os não negros encontravam-se em situação relativamente melhor do que os negros, na maioria das regiões metropolitanas: 62,9% de não negros e 61,7% de negros estavam inseridos em ocupações regulamentadas (soma de assalariados do setor privado com carteira assinada e do setor público) em São Paulo.
Nas outras regiões, a situação era a seguinte: Salvador – não negros, 61,8%, negros, 61,0%; Recife – não negros, 61,5% e negros, 57,3%; Fortaleza – não negros, 54,9% e negros, 52,1%. Apenas em Porto Alegre, a proporção de não negros em ocupações regulamentadas, 64,7%, era menor que a de negros, 69,2%.
“As formas de inserção dos trabalhadores negros ocupados ainda são marcadas pela precariedade quando se constata que, mesmo com o crescimento do emprego mais formalizado, a participação relativa dos negros é maior nas ocupações nas quais prevalece a ausência da proteção previdenciária e, em geral, os direitos trabalhistas são desrespeitados”, afirma o relatório.
Rendimento
De acordo com o estudo, o rendimento médio dos ocupados negros cresceu mais intensamente que o dos ocupados não negros entre 2011 e 2014 em todas as regiões analisadas, principalmente em função da elevação dos rendimentos pagos no setor da construção, segmento no qual a população negra está fortemente engajada.
Ma, ainda assim, a dimensão da desigualdade dos rendimentos entre negros e não negros nos mercados de trabalho metropolitanos fica evidente quando se analisam rendimentos médios reais por hora trabalhada. Embora a elevação do rendimento dos negros tenha ocorrido de forma mais acelerada do que o dos não negros, permanece uma distância significativa, que explicita a discriminação racial.
Em 2014, os negros ocupados nos mercados de trabalho metropolitanos observados pela PED ganhavam entre 62,7% (em Salvador) e 77,5% (em Fortaleza) do rendimento médio por hora dos não negros.
Entre 2013 e 2014, houve uma melhora relativa dessa relação em Fortaleza, onde passou de 73,9% para 77,5%; em Porto Alegre, de 70,2% para 72,3%, e em Recife, de 68,8% para 72,8%. No entanto, a relação do rendimento hora entre negros e não negros aumenta em São Paulo, de 65,4% para 63,7%, e em Salvador, de 65,3% para 62,7%. A situação menos desigual foi registrada em Fortaleza, mas, ainda assim, chega a mais de 20% de diferença.
Os dados também indicam que permanecem as práticas de subvaloração da força de trabalho da mulher negra, reafirmando a duplicidade de discriminação. Embora tenha havido evolução positiva neste indicador, para 2014, o rendimento médio por hora auferido por uma mulher negra em relação ao homem não negro correspondia a 61,7%, em Porto Alegre; 59,0% em Fortaleza; 58,1%, em Recife; 53,6%, em Salvador e; 51,6%, em São Paulo.
Do Portal Vermelho, com Dieese