Quem vê as plantações de soja a perder de vista no horizonte de Capão Bonito, no interior de São Paulo, não imagina que esta era, até o início dos anos 2000, a “capital do feijão”.
Nas últimas duas décadas, uma série de fatores mudou o perfil das lavouras da região e contribuiu para que o feijão perdesse espaço. Literalmente: nas estimativas do engenheiro agrônomo Nélio Masayuki Uemura, da Cooperativa Agrícola de Capão Bonito, a área plantada encolheu de 15 mil hectares para cerca de 3 mil hectares.
Entre os fatores que explicam a mudança está a praga da mosca branca, que chegou por volta do biênio entre 2000 e 2001 e praticamente inviabilizou uma das duas safras de feijão cultivadas todo ano pelos produtores da região. Outro determinante foi a inserção do Brasil nas grandes cadeias de commodities.
Por ter um mercado internacionalizado, com negociação de contratos futuros, a soja acaba sendo mais segura para os produtores do que gêneros básicos como o feijão, que se restringem basicamente ao mercado interno, explica Uemura.
Em paralelo, os grandes investimentos feitos pelo setor privado no melhoramento de sementes, por exemplo, aumentaram a produtividade da commodity. Assim, além de menos arriscada, ela é mais rentável, especialmente em momentos como o atual, em que o dólar está nas alturas.
“O pessoal não pensa duas vezes, vai plantar soja mesmo”, completa o agrônomo. E isso vale não apenas para as grandes propriedades. Em Capão Bonito, fazendas consideradas pequenas, com 10 ou 15 hectares de área, também têm dado preferência ao produto.
Os ganhos de produtividade não chegaram a compensar a redução da área plantada, e o nível de produção hoje é bem próximo do daquela época, apesar do crescimento expressivo da população. Outros gêneros básicos, como o arroz, têm histórias parecidas.
Em paralelo, a área plantada de soja cresceu mais de 5 vezes, ou 460%, de 6,9 milhões de hectares para 38,9 milhões de hectares. A de milho quase dobrou, passando de 11,7 milhões de hectares para 19,9 milhões.
“O feijão compete com cadeias produtivas mais organizadas”, diz Marcelo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), com sede no Paraná, um dos Estados que hoje concentra a produção do grão no país, ao lado de Minas Gerais, Mato Grosso e Bahia.
“Soja e milho são negociados lá fora, têm preço futuro já fixado, o produtor já sabe qual vai ser seu custo. Existe toda uma cadeia de empresas multinacionais e nacionais que fomentam e auxiliam a produção, com acesso a defensivos, fertilizantes, financiamento”, reitera.