A medida propõe que o adicional pago pelas horas extras realizadas por esses profissionais até a oitava hora diária ficará menor: hoje, qualquer hora extra feita deve ser paga por um valor 50% maior do que o valor da hora normal em contrato. Pelo texto, esse adicional cairia para 20% para esse período, que foi chamado de “jornada complementar facultativa”.
Os telefonistas e operadores de telemarketing, por exemplo, que podem trabalhar até seis horas por dia, passariam a receber um adicional de apenas 20% caso trabalhem a sétima e a oitava hora.
Por outro lado, o que for trabalhado após a oitava hora de jornada no dia terá uma remuneração ligeiramente maior do que a atual, conforme explicou o relator do projeto na Câmara, o deputado Christino Aureo (PP-RJ), em entrevista recente ao CNN Business.
Para estas horas, fica mantido o mesmo adicional de 50% de hoje, mas aplicado sobre uma base que será um pouco maior, porque irá considerar o valor médio recebido por todas as horas realizadas até ali: ou seja, o valor da hora normal e também os 20% que já foram adicionados uma parte delas antes.
Com isso, o valor total da hora extra realizada após a oitava hora do dia poderá ser pelo menos 57,5% maior do que o valor normal, de acordo com simulações feitas por advogados trabalhistas a pedido do CNN Brasil Business.
A nova forma de remuneração valeria durante a pandemia e, após esse período, poderia ser aplicada caso a empresa queira.
Texto aguarda votação no Senado
O texto foi aprovada na Câmara dos Deputados e aguarda agora votação no Senado Federal.
A MP 1045 é a medida que, originalmente, criou uma nova rodada do programa emergencial de redução de jornadas e salários durante a pandemia, o BEm, em abril.
Na votação na Câmara para sua renovação neste mês, a medida recebeu uma dezena de adendos dos deputados que criam novas formas de contratação e alteram este e outros pontos da CLT.
Como é hoje
Um funcionário que, por exemplo, tenha uma jornada de seis horas diárias, e que tenha um salário equivalente a R$ 10 por hora, hoje tem direito a receber um adicional de 50% sobre este valor, ou R$ 15, por qualquer hora realizada depois da sexta hora:
- Valor da 1ª à 6ª hora: R$ 10
- Valor da 6ª hora em diante: R$ 15
Assim, se trabalhar três horas a mais, o funcionário recebe R$ 45 de horas extras
Como ficaria
Pela maneira como estão propostas na MP, as remunerações para este caso ficariam assim:
- Valor da 1ª à 6ª hora: R$ 10
- Valor da 7ª e 8ª horas: R$ 12 (adicional de 20% sobre a hora normal)
- Valor da 8ª hora em diante: R$ 15,75 (adicional sobre 50% sobre o valor médio das horas anteriores)
O valor final (R$ 15,75, no exemplo), é 57,5% maior que o valor normal (R$ 10). Porém, na prática, se trabalhar três horas a mais, o funcionário recebe R$ 39,75. Ou seja, menos do que pela regra atual.
Se a categoria tiver uma jornada base menor do que as seis horas, este valor adicional sobre as horas realizadas após a oitava hora tende a ficar maior, já que o profissional terá trabalhado mais horas em jornada complementar (até a oitava hora), com o adicional de 20%, e a média recebida pelo período será maior.
Profissões na mira; bancários de fora
Entre as categorias que hoje têm jornada menor do que as oito horas, e que podem sair ganhando menos para trabalhar mais, a advogada Gabriela Locks, coordenadora da área trabalhista do Baptista Luz Advogados, menciona:
- telemarketing
- jornalistas
- fisioterapeuta e terapeuta ocupacional
- advogados
- aeroviários de serviços de pista
- músicos profissionais
- operadores cinematográficos
- radialistas
“O impacto para o trabalhador vai depender do volume de horas extras que ele faz”, diz Locks. “É uma redução de 30% no que ele recebe [reduzir o adicional inicial de 50% para 20%]. Algumas categorias chegam até dobrar [a jornada e o salário]. A jornada básica dos enfermeiros, por exemplo, é de apenas quatro horas diárias.”
Os bancários, embora também estejam entre as categorias com jornada reduzida, não estão abarcados pela MP, disse o relator Christino Aureo ao CNN Business. “Os bancários não estão neste artigo 58 da CLT [tratado pela MP], estão no artigo 224”, explicou Aureo.
Proposta inconstitucional
Além de entender como uma situação pior para os trabalhadores, os advogados trabalhistas afirmam que a alteração proposta pode ser considerada inconstitucional, já que a Constituição Federal prevê “remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal”.
“A Constituição diz que qualquer horário superior ao horário contratual se paga com adicional extraordinário de 50%”, explica o advogado Ricardo Calcini, professor de pós-graduação de direito do trabalho da FMU e coordenador trabalhista de editora Mizuno.
“O que o projeto traz é pactuar um acréscimo menor do que o que está na Constituição e dizer que essas horas não são horas extras, mas apenas horas adicionais.”