O que é o Talibã e como ele assumiu o controle do Afeganistão tão rapidamente

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Foto: Reprodução / GETTY IMAGES

Por: CNN Brasil

Na semana passada, analistas dos serviços de inteligência dos EUA previram que provavelmente demoraria várias semanas até que o governo civil do Afeganistão em Cabul caísse para os combatentes do Talibã. Na verdade, o movimento levou apenas alguns dias.

No domingo (15), militantes do Talibã retomaram a capital do Afeganistão quase duas décadas depois de serem expulsos de Cabul pelas tropas norte-americanas.

Embora as forças de segurança afegãs estivessem bem financiadas e equipadas, elas ofereceram pouca resistência enquanto os militantes do Talibã tomavam grande parte do país após a retirada dos militares dos EUA a partir do início de julho.

No mesmo dia, o presidente afegão Ashraf Ghani fugiu do país, abandonando o palácio presidencial aos combatentes do Talibã.

As autoridades norte-americanas já admitiram que calcularam mal a velocidade do avanço dos militantes pelo país. A respeito das forças de segurança nacional do Afeganistão, o secretário de Estado Antony Blinken afirmou: “O fato é que vimos que aquela força não foi capaz de defender o país – e isso aconteceu mais rapidamente do que prevíamos”.

O rápido sucesso do Talibã trouxe questões sobre como o grupo insurgente foi capaz de ganhar o controle logo após a retirada dos EUA do Afeganistão – e, após quase 20 anos de conflito na guerra mais longa dos EUA, sobre o que exatamente o grupo deseja.

Militantes do Talibã na tomada de Cabul neste domingo (15)
Militantes do Talibã na tomada de Cabul neste domingo (15)
Foto: Haroon Sabawoon/Anadolu Agency via Getty Images

 

Quem são os talibãs?

Formado em 1994, o Talibã foi formado por ex-combatentes da resistência afegã, conhecidos coletivamente como mujahedeen, militantes islâmicos sunitas que lutaram contra as forças invasoras soviéticas na década de 1980. Eles pretendiam impor sua interpretação da lei islâmica e remover qualquer influência estrangeira no país.

Depois que o Talibã capturou Cabul em 1996, a organização islâmica sunita estabeleceu regras rígidas. As mulheres tinham que usar coberturas da cabeça aos pés, não tinham permissão para estudar ou trabalhar e foram proibidas de viajar sozinhas. TV, música e feriados não islâmicos também foram proibidos.

Isso mudou depois de 11 de setembro de 2001, quando 19 homens sequestraram quatro aviões comerciais nos Estados Unidos, lançando dois nas torres do World Trade Center, em Nova York, um no Pentágono, em Washington, e outro, também destinado a Washington, em um campo na Pensilvânia. Mais de 2.700 pessoas morreram nos ataques.

O atentado foi orquestrado pelo líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, que operava de dentro do Afeganistão controlado pelo Talibã. Menos de um mês após o ataque, os EUA e as forças aliadas invadiram o Afeganistão, com o objetivo de impedir o Talibã de fornecer um porto seguro para a Al Qaeda – e também de a Al Qaeda de usar o Afeganistão como base de operações para atividades terroristas.

Nas duas décadas desde que foi destituído do poder, o Talibã tem travado uma insurreição contra as forças aliadas e o governo afegão apoiado pelos EUA.

Quem são os líderes?

O Talibã é liderado por Mawlawi Haibatullah Akhundzada, um clérigo religioso sênior da geração fundadora do Talibã

Ele foi nomeado líder do Talibã em 2016 depois que o chefe anterior do grupo, Mullah Akhtar Mohammad Mansour, foi morto em um ataque aéreo dos EUA no Paquistão.

Na época, Thomas Ruttig, da Rede de Analistas do Afeganistão, disse que o novo líder do Talibã poderia conseguir “integrar a geração mais jovem e mais militante”.

Outra figura importante é Mullah Abdul Ghani Baradar, cofundador do Talibã, que foi libertado em 2013 após ser capturado em 2010 em Karachi, a maior cidade do Paquistão. Baradar chefia o comitê político do grupo e se reuniu recentemente com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi.

O que o Talibã conversou com Trump?

Em 2017, o Talibã emitiu uma carta aberta ao recém-eleito presidente dos EUA, Donald Trump, pedindo que ele retirasse as forças dos EUA do Afeganistão.

Após anos de negociações, o Talibã e o governo Trump finalmente assinaram um acordo de paz em 2020. Os EUA concordaram em retirar os militares e libertar cerca de cinco mil prisioneiros talibãs. Já o Talibã concordou em tomar medidas para impedir que qualquer grupo ou indivíduo, incluindo a Al Qaeda, usasse o Afeganistão para ameaçar a segurança dos EUA ou de seus aliados.

Mas o acordo não trouxe paz.

A violência no Afeganistão atingiu seus níveis mais altos em duas décadas. O Talibã aumentou seu controle de áreas mais amplas do país. Em junho deste ano, o grupo afirmava controlar ou controlava cerca de 50% a 70% do território afegão fora dos centros urbanos, de acordo com um relatório do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O documento advertiu que um talibã encorajado representava uma ameaça severa e crescente ao governo do Afeganistão. Além disso, o relatório argumentou que a liderança do Talibã não tinha interesse no processo de paz e parecia estar focada no fortalecimento de sua posição militar para dar-lhe vantagem nas negociações – ou, se necessário, para usar a força armada.

“A mensagem do Talibã permanece inflexível e não mostra nenhum sinal de reduzir o nível de violência no Afeganistão para facilitar as negociações de paz com o governo e outras partes interessadas afegãs”, escreveu o documento da ONU.

O que o Talibã quer?

O Talibã tentou se apresentar como diferente do passado. O grupo alegou estar comprometido com o processo de paz, com um governo inclusivo e disposto a manter alguns direitos para as mulheres.

O porta-voz Sohail Shaheen disse que as mulheres ainda teriam permissão para continuar sua educação do ensino fundamental ao superior – uma quebra das regras durante o governo anterior do Talibã entre 1996 e 2001. Shaheen também disse que diplomatas, jornalistas e organizações sem fins lucrativos podem continuar operando no país.

“Esse é o nosso compromisso: fornecer um ambiente seguro para que eles possam realizar suas atividades para o povo do Afeganistão”, disse.

Mas muitos observadores temem que um retorno ao domínio do Talibã seja um retorno ao Afeganistão de duas décadas atrás, quando os direitos das mulheres eram severamente restringidos. Antonio Guterres, o secretário-geral das Nações Unidas, escreveu em um tuíte que centenas de milhares de pessoas foram forçados a fugir em meio a relatos de graves violações dos direitos humanos.

“O Direito Internacional Humanitário e os direitos humanos, especialmente os ganhos duramente conquistados por mulheres e meninas, devem ser preservados”, afirmou.

Amin Saikal, autor de “Modern Afghanistan: A History of Struggle and Survival” (“Afeganistão moderno: Uma história de luta e sobrevivência”, sem edição no Brasil), disse que o Talibã não queria que o país se tornasse um estado pária e queria continuar recebendo ajuda internacional. Mas, segundo Saikal, “no que diz respeito ao seu compromisso ideológico, eles realmente não mudaram”.

Por que o Talibã foi tão forte contra as forças afegãs?

Nas últimas duas décadas, os EUA gastaram mais de um trilhão de dólares no Afeganistão. Treinaram soldados e policiais afegãos e lhes deram equipamentos modernos.

Em fevereiro, as forças afegãs somavam 308 mil pessoas, de acordo com um relatório do Conselho de Segurança das Nações Unidas lançado em junho – bem acima do número estimado de combatentes armados do Talibã, que variou de 58 mil a 100 mil.

No final das contas, porém, as forças afegãs não foram páreo para o Talibã.

Carter Malkasian, ex-conselheiro sênior do presidente do Estado-Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos, e também autor de um livro sobre a guerra do Afeganistão, disse que as forças afegãs às vezes careciam de coordenação e sofriam com o moral baixo. Quanto mais derrotas sofriam, maior o desânimo e mais encorajado ficava o Talibã.

“Durante muito tempo, as forças afegãs tiveram problemas com o moral e com sua vontade de lutar contra o Talibã”, opinou. “Os membros do Talibã podem se portar como aqueles que estão resistindo e lutando contra a ocupação, que é algo próximo e caro ao que significa ser afegão. E é algo muito mais difícil para o governo reivindicar, ou de fazer as forças militares lutarem pelo governo”.

O porta-voz do Talibã, Shaheen, disse que não ficou surpreso com o sucesso da ofensiva militar.

“Porque temos raízes no povo, porque foi uma revolta popular do povo, porque sabíamos que o dizíamos há vinte anos”, disse. “Mas ninguém acreditou em nós. E agora, quando eles viram, foram pegos de surpresa porque antes não acreditavam”.

Os EUA poderiam saber que o Talibã voltaria?

No mês passado, autoridades do alto escalão do governo Biden acreditavam que poderia levar meses até que o governo civil de Cabul caísse.

Agora, os legisladores estão pressionando o governo Biden por respostas e exigindo informação sobre como os serviços de inteligência dos EUA podem ter avaliado mal a situação no terreno.

O deputado do Texas Michael McCaul, o principal republicano no Comitê de Relações Exteriores da Câmara, chamou a situação foi um “desastre absoluto de proporções épicas”, enquanto o líder da minoria no Senado, Mitch McConnell, disse “todos previram isso”, exceto o presidente, que “rejeitou publicamente e com confiança essas ameaças apenas algumas semanas atrás”.

Autoridades norte-americanas expressaram consternação com a incapacidade do governo afegão, agora apoiado pelos EUA, de proteger as principais cidades e regiões do Talibã, apesar de estabelecer uma estratégia para fazê-lo durante suas conversas com Biden e outros líderes dos EUA.

O secretário de Defesa Lloyd Austin disse que “a falta de resistência que o Talibã enfrentou das forças afegãs foi extremamente desconcertante.

Eles tiveram todas as vantagens, tiveram 20 anos de treinamento pelas nossas forças de coalizão, uma força aérea moderna, bons equipamentos e armas”, afirmou. “Mas você não pode comprar a determinação, nem comprar liderança. E isso é realmente o que estava faltando nesta situação”.

 

Kevin Liptak, Jason Hoffman, Kylie Atwood, Jennifer Hansler, Nicole Gaouette e Nic Robertson, da CNN, contribuíram com a reportagem.

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